De medrosa à corajosa

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Eu tinha 17 anos quando houve um evento na cidade promovido por diversas organizações. Eu fazia parte do grupo de teatro e iríamos nos apresentar, também fazia aula de musicalização e iríamos cantar. E uma das organizações estava fazendo teste de tipagem sanguínea. Entrei na fila.
Ví quando fizeram o exame na pessoa que estava à minha frente. Passaram álcool em seu dedo, apertaram para prender a circulação nas pontas, e deram uma espetada com a agulha. O sangue esguichou, colocaram na plaquetinha de vidro e pingaram o reagente para saber o tipo sanguíneo.
Pronto. Era a minha vez, mas dessa vez nem olhei. 
_ A+.
Disse a menina que realizou o teste.

Apenas um minuto depois estava conversando com meu professor de teatro...
_ Nossa! Que calor, né?!
Ele me olhou. E embora tivesse concordado, fez uma cara estranha, como se não estivesse com aquele calor todo que eu estava sentindo.
Num segundo eu já tinha me dado conta que não estava bem e pensei em procurar um lugar para sentar. Nem me despedi do meu professor, dei um passo, fiquei tonta e caí de cara no chão.
Fui acordando aos poucos, e antes mesmo de abrir os olhos já sentia os dentes quebrados dentro da minha boca.
Estava "zen" e todos desesperados em volta de mim. Me levaram para o hospital, pois tive que tomar uns pontos no queixo, mas estava tudo bem. Tomar anestesia e levar uns pontos no queixo não era problema. O problema não era agulha, o problema não era sangue, o problema era veia, era tirar sangue com a agulha. 

Havia se passado uns 10 anos de quando tivera o meu primeiro desmaio.
Eu era criança e minha mãe me levou para fazer um exame de sangue.
Lembro que na hora do exame ela pegou minha jaquetinha de flanela branca estampada de florzinhas vermelhas, colocou-a sobre os meus olhos, e disse para não olhar.
Mas por que eu não podia olhar?! O que estavam fazendo comigo?!
Senti a picada e naquele momento tive uma visão da seringa cheia de sangue.
Ao chegar em casa fui tomar café da manhã, pois estava em jejum. Estava em pé na frente da mesa quando me senti mal, minha mãe correu e conseguiu me pegar antes que eu batesse com a cabeça no fogão.

Desde então o medo se instalou, mas eu achava que era medo de exame de sangue, jamais pensei que fosse desmaiar por ver alguém levando uma picada no dedo.

Vim para São Paulo, e morava com a família do meu irmão. Num belo dia, minha cunhada, que tinha acabado de voltar de um exame de sangue, começa a comentar revoltada que tinha escorrido sangue da agulha na hora do exame e que a enfermeira tinha limpado o chão e o braço dela com o mesmo algodão. Pronto. Desmaiei só de ouvir a descrição dos fatos, não pela porquice da enfermeira, mas pelo sangue escorrido da agulha.

Assim como das outras vezes, as pessoas começaram a me chamar de "mole". E comecei a ouvir comentários do tipo: "Se você desmaia por isso, então como é que você vai ter filho?"
O problema estava se tornando mais sério, mais angustiante. Eu não precisava fazer um exame, ver dedo jorrando sangue para passar mal, apenas ouvir histórias assim já eram o suficiente.

Então aconteceu o episódio de desmaio mais humilhante de todos. Eu estava no trabalho, na sala dos professores da escola e uma professora substituta estava lá, pois tinha vindo para cobrir uma vaga. Ela tinha acabado de ter filho, e teve um parto complicadíssimo. Eu nem lembro os detalhes, não sei se foi caso de não achar veia, ou de não pegar a anestesia, mas foi um negócio horroroso!!! E eu desmaiei só dela contar. E foi muito humilhante pois além de desmaiar ainda fiz xixi nas calças. Pensa!

E novamente fui questionada: "Como é que você vai ter filhos desse jeito?".
E eu não entendia porque me faziam essa pergunta! O que uma coisa tinha a ver com a outra?! Eu não tinha medo do parto. Nunca tive!

Casei. Meu marido sabia desse meu "problema", mas nunca tinha presenciado nenhum episódio.
Noite da pizza na casa da sogra, todo mundo feliz, contente... Minha sogra estava fazendo um tratamento pra uma anemia profunda, onde tinha que ir ao hospital para tomar ferro na veia. Comecei a falar que não estava gostando do assunto, que estava passando mal, mas ninguém deu muito crédito que realmente estava passando mal por causa disso. Então ela falou que da próxima vez que ela fosse ao hospital, se o ferro não estivesse funcionando, o médico falou que ela teria que fazer TRANSFUSÃO. Essa palavra foi a gota d'água! Desmaiei. E só perceberam mesmo porque meu braço bateu num copo, que tombou e derramou o refrigerante. Todo mundo ficou atônito, meu marido ficou desesperado, me deitou no sofá, e quando acordei ainda tive que acabar de comer um pedaço de pizza que tinha na boca. kkkk
E esse desmaio acabou comigo, fiquei muito enfraquecida, com o corpo mole mesmo. Cheguei a desmaiar outra vez quando estávamos chegando em casa.

E... "É muito mole! Como é que você vai ter filhos desse jeito?".

Uma vez minha cunhada sofreu um aborto e corremos com ela para o hospital. Depois do ultrassom que confirmou o aborto ela ficou internada. Entrei no quarto para visitá-la e ela estava no soro. Olhei. Um pouco de sangue havia subido pelo caninho. Pensei: "Isso não vai prestar". O celular dela tocou e ela começou a conversar com a sua mãe. Aproveitei a "deixa" e saí do quarto. Voltei para a recepção onde estava meu marido e meu cunhado, e desmaiei outra vez!

À partir daí fui ficando como a "Chapeuzinho Amarelo", do livro do Chico Buarque. Eu tinha medo, do medo, do medo, de um dia ouvir alguém comentar algo que me fizesse desmaiar.

A situação ficou muito séria! Angustiante! Eu tinha que sair de perto e deixar as pessoas falando sozinhas, se fosse necessário, pois avisar que estava passando mal não era o suficiente.
Uma vez uma colega de trabalho chegou com aquele band-aid redondinho no lugar da picada do exame, e minhas mãos já começaram a suar, eu contei os minutos, os segundos, de poder ir embora naquele dia. Que desespero!
Pensei em fazer terapia, pois já estava com medo de passar mal só de pensar, de lembrar das outras vezes que havia desmaiado.

E foram 20 anos sem fazer um exame de sangue, até que passei num concurso público e no exame admissional pedia o exame. 
Apesar de saber que não havia nada de errado comigo, fisicamente, me preocupei com a alimentação na noite anterior, para que minha pressão não caisse, e ainda passei a noite com dor de barriga, de tanto medo do exame que faria na manhã seguinte.

Enfrentar o meu medo foi a melhor coisa que eu poderia ter feito. O exame foi tudo bem, minha pressão não caiu. Fiquei tão orgulhosa de mim!

Um mês depois eu estava grávida e fiz exame de sangue durante a gravidez umas três vezes. Em todas as vezes fiquei com medo e meu marido teve que me acompanhar, pois não queria passar mal perto de desconhecidos.

E aos poucos foi sumindo aquele medo do medo do medo, foi ficando só o medo do medo, e depois sobrou só um pouquinho daquele medo, que ainda não foi embora! rsrs

Mas eu ainda precisava responder às pessoas que me perguntaram: "Como é que você vai ter filho?". Primeiro respondi para mim mesma, descobri que eu não precisava ficar no soro, que não precisava ser cortada em cima e nem embaixo.

Como o medo maior era das intervenções e não do trabalho de parto, tive um parto natural, sem nenhuma intervenção e domiciliar. Resolvido e respondido a quem queira saber! Simples assim.

Aí, de repente, todos que me achavam medrosa, e outras pessoas que nem conheciam a minha história, e que ficam sabendo que tive um parto domiciliar, agora me nomeiam com outro adjetivo: CORAJOSA!

=)

17 comentários:

  1. Dei muita risada da tua história Line!
    Minha mãe tirava meu sangue todo ano nesta mesma mesa onde estou agora sentada, pra mim era como pentear o cabelo...
    Meu marido já desfaleceu do alto dos seus 1,84 por um corte no dedo,kkk!
    Acho que você compensou o rótulo de medrosa bravamente tendo um parto exemplar: Parabéns pela coragem! Bjks!

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  2. Você esqueceu o episódio lá na casa da vó... Só sei que minha mãe e a tia Euza só sabiam rir do seu tombo depois do desmaio...

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  3. Raica,

    Obrigada.
    Queria que exame de sangue fosse mais comum para mim tbm! rsrs

    Bjs.

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  4. Jack,

    Aquele desmaio foi por insolação.
    rsrs

    Bjs.

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  5. Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh também quero!
    Sou medrosa, mas acho que o momento te trás coragem.
    Adorei! rs

    Beijos

    Naty

    #amigacomenta

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  6. Line,
    eu também tive muitos episódios de desmaio por fazer exame e/ou ouvir as pessoas falarem essas coisas...
    Ate hoje peço para colher sangue deitada. Desse tamanho desmaiando é trabalho na certa ne?
    A ultima vez que me senti mal assim foi visitando minha madrinha na UTI. Fiquei pessima mas sai da UTI e fiquei esperando do lado de fora a minha tia que me acompanhou... não cheguei a desmaiar!
    Mas a gente encontra força ne? E coragem pelos nossos filhos, sempre!
    beijao
    Lele

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  7. "Tinha medo, do medo, do medo que a gente tem de sentir medo" hahahahahaha.
    Mas na hora H a gente se enche de coragem, né?!
    bjos
    #amigacomenta
    www.mamaeneura.com

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  8. Naty,
    É verdade, bendita adrenalina que disfarça nosso medo em certos momentos! kkkk

    Bjs.

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  9. Helena,

    Nossa, ninguém deve te questionar muito por querer fazer o exame deitada, né.
    Imagino... Já dou trabalho com 1,63m.

    Bjoca!

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  10. Luísa,

    A gente é cheio de neura! rsrs

    Bjs.

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  11. Line, ri demais rss... É horrível, mas do jeito que você escreveu ficou engraçado. Que pânico menina! E aquele professor heim?! Nem para te segurar, poxa! Parto natural, sem intervenção e domiciliar?! SIM, VOCÊ É CORAJOSA! PARABÉNS!

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  12. parabens , você é muito corajosa , não só por expor o seu problema , mas tb por enfrenta-lo
    beijos
    Aliny
    onossonude.blogspot.com.br

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  13. Flávia.
    Antes tinha medo só de contar, mas hoje também conto dando risada.
    E o professor, coitado, eu que fui super mal educada, saí andando sem nem me despedir, e acabou não dando nem pra ele me socorrer. rsrs

    Hoje quando me chamam de corajosa pelo parto domiciliar eu respondo que não tenho coragem de ir para o hospital, e ninguém imagina que eu esteja falando tão sério! kkk

    Bjocas!

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  14. Ainda bem que você já superou Line, e realmente foi muito corajosa em ter um parto natural. Também adorei a foto do post chamei Letícia, minha filha de 4 anos, e ela identificou na hora a personagem.

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