Mãe, a que carrega o mundo nas costas

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Oba, temos visita!
Recebam com uma salva de palmas a Patrícia, que é psicoterapeuta, psicanalista, e nos falará um pouco sobre depressão pós-parto.


Patrícia, pode entrar. Fique à vontade!

Line - criadora deste blog - me convidou para escrever um artigo sobre depressão pós-parto para o 'Mamãe Moderna' por conta do suporte voluntário que prestei como mãe e psicóloga por quase três anos à comunidade 'Depressão Pós-Parto/ Pós-Filho' no Orkut. Claro que eu não oferecia uma 'psicoterapia online' lá - que aliás é prática proibida pelo Conselho Federal de Psicologia até hoje* - e nem emitia pareceres ou algo assim, mas procurava acolher e apoiar mães aflitas com as transformações na vida depois da chegada de um filho.
Fui testemunha de muita dor, confusão, revolta, decepção. De alegria e comemoração também? Sim, sem dúvida, mas o fato é que ninguém corre para uma comunidade virtual com esse nome porque está 'no paraíso' com a maternidade; corre porque está 'padecendo', e muito, e no fundo não sabe para onde correr no mundo real.
A maioria das pessoas não gosta nada de ouvir que a maternidade inclui muita chatice. Se você decide desabafar com alguém, as chances de ouvir um sermão em vez de receber apoio são altíssimas. 'Mas bebês e crianças são bênçãos de Deus!', 'Não fale isso que chega a ser pecado!', 'Mas não era o que você queria, um filho?', 'Criança dá trabalho mesmo! Você também deu e muito, e ninguém nunca reclamou!' etc. etc. A verdade é que existe até uma raiz biológica para essa rejeição do ser humano em admitir o lado pesado e sombrio da maternidade: como ficará a continuidade da espécie se a mulherada concluir que seus anos férteis não devem ter como prioridade a reprodução e os cuidados com a prole?
O que será do mundo sem mães e crianças?? ...
Hummm... Me ponho a refletir: como seria um mundo sem mães e crianças? Muito chato com certeza, e pouco aconchegante e acolhedor. Por outro lado também seria mais limpo, organizado e prático. Mulheres não viveriam à beira de um ataque de nervos, divididas entre a cruz (filho, casa, tarefas) e a espada (seus sonhos, anseios), atordoadas com tantas preocupações, prazos e tarefas.
Hummm ... Só que se mais pessoas se dispusessem a cooperar na educação e nos cuidados para com as crianças (no tempo em que estas estão em férias, nos fins de semana e fora do horário de estudo), o mundo continuaria a usufruir das 'vantagens' das crianças (alegria, diversão, surpresas, brincadeiras, fofurice, continuidade da espécie) e suas 'desvantagens' (cólica, febre, refluxo, gengiva rachando, noites e noites em claro, quedas, doenças, manhas, birras, quilos de roupas para lavar, gastos sem fim, brincadeiras repetitivas, restrição quase total da liberdade) ficariam mais diluídas e não sobrecarregariam uma criatura só - a Mãe. Aliás, essa criatura estressada e culpabilizada passaria a ser muito mais tranquila, agradável no trato e, portanto, mais feliz no seu papel.

Antigo ditado africano: "It takes a village to raise a child." Tradução livre: 'É preciso uma comunidade para criar uma criança.'

Em suma, o mundo moderno deseja crianças e precisa delas mas não quer dividir a responsabilidade pelos pequenos, não quer participar da parte chata e pesada da criação de um ser humano.
E nós, mães, somos parte do problema. Se queremos uma mudança, ela tem que começar conosco. Temos que lutar contra nossa compulsão de estar no controle e de competir. Sim, somos super competitivas, apesar de disfarçamos bem - enganamos até a nós mesmas!!
Confiar em outras pessoas é fundamental. Você não consegue confiar? Busque ajuda psicoterápica para transformar isso!! Está em suas mãos! Pessoas confiáveis existem, sim, mas se continuarmos nessa paranóia de que nós fazemos tudo melhor do que o outro, jajá não só não existirão mais pessoas confiáveis mesmo como nós seremos as primeiras a nos tornar indignas de confiança. A desconfiança é um veneno que corrói aos poucos quem se acha prevenido e cauteloso.
Obviamente não estou aqui defendendo que todo mundo é ovelhinha de presépio. Só afirmo que não existem tantos Judas por aí como gostamos de acreditar. Aliás, com certeza existem muitas pessoas que são melhores e mais confiáveis do que nós mesmas.
Delegar e pedir ajuda não tem nada a ver com querer fugir da responsabilidade. Na verdade, delegar é uma necessidade vital para os responsáveis. Quem é responsável sabe que não dá conta de tudo. Quem é responsável conhece os próprios limites; sabe que se passar daquele ponto vai fazer mal-feito, de má vontade, e que todos perderão com isso.
A pessoa responsável não é mártir e nem masoquista. É esforçada e dedicada, mas não compete em nenhuma corrida maluca que na realidade só existe dentro da própria cabeça.


Patrícia Cypriano Seixas
CRP 06/51248

Mãe, psicoterapeuta e psicanalista 
Criadora do "SOS Mãe"

4 comentários:

  1. Line e Patricia,
    Gostei demais do assunto...posso garantir que fui uma seríssima candidata a depressão pós parto. Eu realmente não sabia explicar tanta tristeza. Claro, tive problemas na amamentação, o que contribuia muito, mas o que eu sentia era um misto de felicidade, dor, tristeza e até medo...as vezes chegava a pensar que não iria dar conta daquele bebê fofo...me culpava por estar sentindo tudo isso, já que era minha filha tão sonhada e amada...foi complicado. Realmente existe muita gente pra criticar, mas pra ajudar efetivamente...ah, isso é difícil.
    Aprendi a lidar com as dificuldades, praticamente (ou quase) superei o fato de não ter conseguido amamentar como deveria e gostaria. Mas hoje, 1a10m após o parto, já consigo sim falar do assunto sem chorar e sofrer, consigo delegar algumas coisas ao marido sem achar que ele não saberá fazer. No meu caso isso de confiar em outras pessoas (escola, avós e no próprio marido) é muito importante, pois trabalho fora e preciso dessa ajuda...e é sempre bom ter com quem contar nessas tarefas!

    Gostei muito...bj

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  2. Pra mim ainda é bem dificil falar sobre o assunto, talvez eu ainda não esteja recuperada, é bem verdade que é um grande problema não confiar nas pessoas e pior ainda é não ter em quem confiar, esse é o meu caso, as pessoas que confio (irmães, avós, sobrinhos) não moram perto de mim, então se preciso ir no banheiro tenho que está atenta, desde que meu filho nasceu não sei o que é sair a noite ou ir a academia, talvez se as pessoas que eu amo estivessem do meu lado, tudo seria diferente!

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  3. Olá, Ana e Daiane!
    O que eu sugiro é solidariedade entre mulheres, meninas. Amigas ajudando amigas, vizinhas ajudando vizinhas. Podemos, por exemplo, combinar tardes de brincadeira ('playdates', como dizem os americanos) para nossos filhos com mães de coleguinhas deles. Que tal uma tarde de domingo na casa de cada mãe? Pode-se esquematizar um rodízio de mães, sendo que a cada tarde de domingo uma delas fica com todas as crianças em sua casa para que as outras possam curtir umas horas livres. Por experiência própria, essa ideia funciona melhor em um grupo com 2 ou 3 mães apenas, pois mais do que isso são muitas crianças para cuidar de cada vez. Estamos sobrecarregadas? Então temos que ser criativas!! Ninguém virá nos acudir espontaneamente - a iniciativa tem que ser nossa. Sejamos humildes para poder promover mudanças!!
    Daiana, se seu filho tem menos de 1 ano vc pode convidar amigas para passar o dia com vc, na sua casa, ou mesmo levá-lo para passar o dia da casa de quem for. Colocá-lo na escolinha por meio período também não é pecado algum, e vc obterá algum tempo para respirar. Sentir um pouco de falta e de saudade do filho é fundamental para a saúde mental de inúmeras mães!!
    É preciso coragem para não dar uma de super-mãe... Se não sairmos desse ciclo vicioso em que cada uma fica isolada (e magoada) no seu canto, daqui a pouco raríssimas serão as mulheres que desejarão filhos. Isso não é exagero meu - na Europa já há pouquíssimos nascimentos, e esse quadro só tem piorado.
    A união faz a força!!
    Beijos

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  4. Ana Claudia e Daiana,
    Logo que o Davi nasceu eu não compreendia como alguém podia ter DPP, pois me sentia muito bem e feliz, mas com o passar do tempo, dormindo mal, não tendo tempo pra nada, pra me arrumar, para sair, sem ter ninguém para ajudar (tbm moro longe da família)... DPP se tornou MUITO compreensível!

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